Essa entrevista foi originalmente produzida para ESPN Brasil.
Aos 32 anos de idade, o mineiro radicado em São Bernardo do Campo Edgard “Vovô” Pereira, participou nesse ano da sua nona edição dos X Games e ganhou uma medalha de bronze com gosto de ouro. Ele protagonizou um dos melhores momentos do evento ao acertar um perfeito backside heelflip indy 540 em plena final. Mas para surpresa de todos, sua nota ficou bem abaixo da esperada.
Vovô conversou conversou com o X Games Brasil sobre a manobra, o começo, mercado do skate, patrocinadores e os planos para o segundo semestre de 2014.
Você começou a andar de skate ali naquela minirrampa do Jordanópolis, em São Bernardo?
Na verdade, eu comecei a andar na rua, de street. No bairro que eu morava, do lado do Jordanópolis, o Bairro Continental. Eu andava com os moleques na rua, a gente tinha feito uma rampinha, um trilho, então começamos a andar ali. Aí uma vez eles falaram, vamos ali no Jorda que tem uma minirrampa. E foi a primeira vez que eu tive contato assim como uma rampa sem ser de street. Eu curti muito. Sabe aquele negócio, dei uns fakies, vi qual que era. E nem consegui dormir naquela noite. No dia seguinte já fui lá de novo. Fui indo, fui indo, aprendendo manobras. E nisso também intercalando com São Bernardo e a minirrampa. Andava bastante também em São Bernardo. Então como teve essa abertura de conhecer uma minirrampa ali no Jordanópolis e tive alguns contatos, algumas novas amizades que iam para São Bernardo, então comecei ir pra São Bernardo também. Então estava nos dois. Lá no tri-banks de São Bernardo e na minirrampa do Jorda. E aí foi o começo da história de curtir, gostar do vertical. Já comecei a ver o half de São Bernardo mas tinha muito medo. Aos pouquinhos fui começando andar.
Agora demoliram a rampa e construíram um skate plaza no lugar. Você acha que se fosse o plaza ao invés da minirrampa, você seria um skatista da Street League hoje em dia?
Eu não sei o que teria acontecido. Realmente, na época eu gostava muito de street, gosto até hoje. Eu me identifico mais com o vertical. Mas eu acho que são fases. Acho que tinha quase 20 anos essa minirrampa do Jordanópolis, foi bom pra mim, foi bom pra outros skatistas que andaram lá. Tiveram alguns eventos lá muitos anos atrás. E agora é a vez dos skate plazas. A molecada que anda lá hoje anda mais em street. Eu não cheguei a ir lá ainda, mas vi algumas imagens, todo mundo fala que tá legal. Essa evolução dessa skate plaza com qualidade vai ajudar muito a molecada ali. E é um lugar que tem potencial. Eu acho legal pra caramba. Alguns foram contra, até conversei com um pessoal que conheço de lá, “vão tirar nossa minirrampa”, disseram. Mas eu acho que é isso, são fases, evolução. Se é o momento do street ali pro Jorda vai ser legal. De repente podem surgir vários talentos de lá também. Tem muita molecada boa ali. E ao redor do Jorda também, tem muita molecada que anda de street. E tem muita gente que está andando lá e está gostando.
Você acha que para andar na megarrampa, do ponto de vista overall, precisa ter base de street?
Pra mim, no meu skate na megarrampa, pra andar no corrimão, ou no manual, no próprio transfer, a base que eu tenho de street, de andar de vez em quando, tá me ajudando muito. Então não sei te dizer com certeza se um moleque que nunca andou de street, nunca deu um 50-50 num trilhozinho vai dar um 50-50 na megarrampa. Mas hoje o skate mudou muito. A gente vê o Tom Schaar, o próprio Mitchie Brusco. O Mitchie Brusco anda muito bem de skate, e ultimamente ele está andando mais de street do que de vertical. Manda bem pra caramba. E ele anda fácil no corrimão. O Tom Schaar eu nunca vi nem tentando um 50-50, ou um rockslide, alguma coisa nesse sentido. Eu também nunca vi ele andando de street. Mas a molecada desenvolve muito fácil. Então eu acho que quando é moleque, se é um moleque que anda direto na megarrampa e não gosta de street, ele acaba desenvolvendo um jeito de andar na megarrampa e vai conseguir andar no corrimão com certeza, no manual. Mas a galera que é mais antiga, eu acho que se não tiver o street vai penar um pouquinho mais. Porque é totalmente diferente o ‘timing’, velocidade. Mas você precisa ter aquele ‘feeling’, qual o movimento que você faz pra dar um smith no corrimão. Uma coisa também é o cara só ir lá e dar um rockslide e dizer que sabe andar no corrimão. Não é isso. É uma manobra que você acertou, mas evoluir nele é difícil. Eu acho que tem que ter esse ‘feeling’.
Quando você acertou o backside heelflip indy 540 nos X Games desse ano, o que veio à cabeça? Você ficou enlouquecido.
Meio que descarreguei. Na primeira volta eu já tinha feito um backflip com flip 540 bodyvarial de 17 pés. E minha nota foi muito baixa. Na minha opinião. Achei que realmente os caras seguraram muito na minha nota. E eu fico sempre me questionando, porque os caras sempre dão nota baixa? Não é a primeira vez, acontece, então também acho que não vai ser a última. Então ali entre uma volta e outra, conversando, a galera dizia, “é porque o bodyvarial é mais fácil”. Não sei de onde alguns caras falam que é mais fácil. Se fosse mais fácil, todo mundo faria. Eu acho que cada um tem uma facilidade para alguma coisa. Eu falo pra mim assim, lógico, muita gente dá as manobras de bodyvarial e eu sou um cara que usa muito bodyvarial. Porque eu tenho essa facilidade. Mas todo mundo fica falando, “o 540 flip bodyvarial é mais fácil que um flip indy, que um flip mute”. Na minha cabeça veio, eu já tentei algumas vezes, veio na mão. Então vou tentar, vou ver se rola. Se fosse tão difícil quanto a galera fala, eu não teria acertado de primeira como na primeira tentativa que eu tentei. E pra mim, não mudou nada. Vou tentar de indy, vai valer mais pontos. Realmente, de indy valeria muito mais pontos, e pra mim não senti diferença. Realmente, é uma manobra nova, diferente, é legal estar evoluindo muito. Então a explicação dali, que eu fiquei enlouquecido, era mais dos juízes, eu estava de cara com a nota que eles estavam me dando já desde a eliminatória.
Aí saiu a nota e você ficou muito frustado, foi visível.
Foi visível. Realmente, naquele momento, eu achei que ia pra primeiro, ou segundo. Mas não foi. Não foi o que aconteceu, eu fui pra terceiro. Mas também, eu tenho que respeitar, não é qualquer pessoa que está ali julgando. Se eles acharam isso, eu tenho que concordar. Não concordar, mas no mínimo respeitar. Apesar de eu não ter concordado com eles, eu respeitei. É opinião deles. Cada um tem uma opinião e eles que estão julgando. E quem sou eu pra falar que eles estão falando errado. Só não concordei.
Aí você tinha mais um drop ainda. Como é andar depois disso? Tem motivação?
Ali você tem duas opções. Ou você usa aquele instinto, como eu usei nessa volta, que eu acertei o 540 heelflip, eu usei aquela vibe da primeira nota baixa pra me puxar e mostrar evolução. Dei uma manobra inédita, nunca foi feita nem no half, nem na megarrampa. E não foi o suficiente. Então pra última, na minha opinião hoje pensando, eu não usei essa mesma gana de fazer isso de novo. Se eu tivesse usado, talvez eu poderia ter acertado 360 flip no gap. A desculpa deles foi que o backflip é uma manobra ultrapassada. Sendo que dois anos atrás o Jake ganhava campeonato com backflip. O Bob passou pra primeiro num campeonato dois anos atrás dando um backflip. Então tem que ter um respeito da manobra ali. Acho que não tem esse negócio de manobra ultrapassada. Lógico, não vai valer como um 720. Eu poderia ter tentado um 720. Tentei algumas vezes, quase acertei. Mas eu quis fazer diferente. Eu poderia ter dado um 720 e twist no quarter. Mas é o que todo mundo tá fazendo. Então eu pensei, se eu der um backflip e evoluir um pouco mais no quarter, eu vou me destacar de uma outra forma. Mas é o que te falei. São opiniões diferentes e tem que ser respeitadas. Mas voltando a sua pergunta, eu ali dei uma brochada, fui meio que sem vontade na última volta. Sendo que hoje, pensando, vendo o campeonato de fora, eu faria diferente. Eu ia lá e evoluir mais um pouco.
Foi a primeira vez que você acertou o 540 heelflip indy?
Foi. Eu tentei algumas vezes na casa do Bob. Mas eu nem imaginava que eu ia voltar ela no campeonato. Mas tentei algumas vezes mais pensando, de repente indy, tentei umas de mute, justamente pra tirar o bodyvarial. E ali na hora pensei, vai que da certo. E deu certo! Foi muito legal, fiquei feliz pra caramba. E é uma manobra que eu realmente acho que agora é mais um 540 flip que vai me ajudar. A evolução do skate mesmo pra mim. E num evento importante como esse também, se eu precisar usar vai ser bem importante.
Já virou uma manobra clássica. Sempre que a gente relembrar os X Games Austin vamos se lembrar dela.
É, teve uma repercussão bem legal. Muita gente veio conversar comigo. Depois, no dia seguinte, a gente vai lá pra acompanhar o resto do evento e o pessoal vem conversar. Teve um feedback bem legal. E por ser uma manobra inédita, que ninguém estava esperando eu tentar a manobra. Eu tentei de primeira e acertei, então até eu me surpreendi, porque eu não esperava que viria tão perfeito na minha mão, o timing certo. Porque é o que a gente sempre fala, você flipar na megarrampa é difícil vindo dos 60 pés. Então eu não esperava que fosse flipar tão certo, que eu não ia descolar nem entrar, ia dar tudo certo. Foi legal que rolou assim, meio que acreditei ali na hora e foi perfeito.
E quais os próximos planos agora para esse segundo semestre?
Segundo semestre está cheio de coisas boas também. Tem o circuito brasileiro, a primeira etapa agora em Fortaleza, tô indo agora dia 21. E logo depois começa o circuito Banco do Brasil, a Copa de Vertical, que tem quatro etapas, uma vai ser de street. Se eu não me engano, em Belo Horizonte de street e outras três de vertical. Falta pouco tempo para acabar o ano e já tem pelo menos quatro campeonatos confirmados só aqui no Brasil. Isso nos alegra, porque nossa modalidade está meio difícil, o vertical, megarrampa. Esse ano só tiveram, até agora, dois campeonatos de mega. De vert só corri lá fora, na China. No Brasil pelo menos já confirmaram essas quatro etapas e tem mais três que estão para confirmar. Se confirmar, já são sete campeonatos em quatro meses. Então a gente tá bem aqui no Brasil, comparando lá fora. Pelo que a gente tá sabendo, o cronograma lá nos EUA, Europa, não tem nada de vertical até o final do ano.
E tendo eventos lá fora, você está com estrutura de patrocinadores para bancar as viagens?
Tenho. Na verdade, eu tenho um acordo legal com os patrocinadores. Aí tenho essas evoluções também. Fui pros X Games e fui bem. querendo ou não, medalha de bronze nos X Games. Você se dando bem nos campeonatos, tem como cobrar um pouco mais. “Pô, preciso ir lá pra fora correr campeonatos.” E antes dos X Games teve o campeonato lá na casa do Bob, campeonato de megarrampa da Globo. Também me dei bem lá. Você vai negociando com os patrocinadores. Tem o orçamento anual pra gente viajar, se estoura, e precisa pra um evento importante, a gente conversa ali com o patrocinador e tenta um acordo. E lógico, tira um pouco do bolso e consegue viajar.
Quem que está te dando suporte hoje em dia?
A Tent Beach, que já tenho uma parceria de 12 anos. Universidade Metodista, que é a faculdade, uma parceria grande. A Live Skateboards, que tenho pro-model de shape. Type-S rodas, que é do nosso amigo e ídolo Lincoln Ueda. Arnette, que é óculos, que me da um suporte legal há quatro anos. Norton lixas e Thunder Trucks. Isso é fundamental, você sabe como é, a gente precisa de material bom, que dá para utilizar diariamente. Não tem aquele problema de ficar cada hora andando com um eixo, com uma roda, um shape. Tem aquela dificuldade de adaptação. Estar sempre com o mesmo produto, mesmo material ajuda bastante na evolução também. Então esses são meus patrocinadores hoje.
A gente percebeu que nos últimos três, quatro anos, a realidade é o seguinte: quem tem patrocínio tem que segurar pra manter o máximo. Tá difícil, tanto aqui quanto lá fora a gente vem conversando. Tem uma molecada conseguindo patrocinador, mas hoje é difícil uma geração um pouco mais velha conseguir um novo patrocinador. Inclusive, estou sem patrocinador de tênis fazem uns dois anos.
Eu não sei como está no street. Eu vejo o mercado se movimentando, mas pro vertical hoje está muito difícil. Muita gente boa andando de skate tanto aqui no Brasil quanto lá fora também, e não tem patrocínio, condições de viajar, participar dos eventos. Ou não tem condições de ter um espaço num vídeo. Porque lá fora a galera trabalha bastante com isso, é diferente do mercado do Brasil, você sabe bem. E não tem essa condição de filmar. Então a gente fala, quem tem, tem. Quem não tem, tá difícil de conseguir e o negócio é conseguir manter. Tentar manter porque está cada vez mais difícil.
Isso aí você acha que é coisa do mercado, é o público que não está dando atenção?
É um conjunto. Eu não sei exatamente o que está acontecendo com o mercado. Porque o mercado está vendendo pra caramba, a realidade é essa. O mercado do skate está crescendo a cada ano. A gente vê números aí, que são divulgados. Nesse ano os caras estão vendendo muito. Eu não sei, mas acho que as marcas de skate em si não estão valorizando tanto os skatistas. Acho que não só no vertical, acho que até no street. Hoje, você conhece, você é de uma geração que lembra muito bem, que a gente corria campeonatos, o circuito brasileiro, porque eram as marcas de skate que faziam, as marcas de skate que patrocinavam skatistas. Hoje é muito difícil. Você vê os principais nomes. Rony Gomes, que tem um ou dois patrocinadores específicos do mercado do skate, e depois o resto é tudo de fora. Eu mesmo, do mundo dos esportes de ação, é a Tent, Arnette, que venho mantendo um relacionamento faz tempo. Mas se você não buscar outras opções, de fora do mercado, marcas fora do seguimento, você não consegue sobreviver no skate. Essa é a realidade. Então, eu não sei de quem que é a culpa. Hoje é difícil você ver um skatista se manter e viver bem com patrocinadores, principalmente patrocínio de skate. Hoje acho que as marcas de skate não estão patrocinando ninguém. Não estão patrocinando eventos. Muito difícil você ver evento com patrocínios de marcas de skate. Querendo ou não, hoje a gente acaba dependendo da TV pra poder ter um evento grande. E eu acho que é isso que está acontecendo.
Como você sente o público em eventos de skate? De dez anos pra cá você acha que está crescendo? Porque eu tenho a impressão que tem diminuído.
Eu não sinto isso. Depende do ponto de vista de cada evento. Por exemplo, um X Games, há cinco anos atrás, um campeonato de megarrampa, era feito dentro de um estádio, um espaço menor. Então lotava esse espaço muito rápido. Hoje, se você pegar esse ano, o espaço era muito grande. Podia ir muita gente que não ia completar o espaço. Eu sentia que tinha muito fluxo de pessoas. Se eu não me engano, comentaram que tinha lá 40, 50 mil pessoas. Era uma pista de corrida de carros. Então, realmente, o espaço era maior. E aí você pega umas imagens de um ponto muito alto, vai parecer que tinha pouca gente. Agora, eventos no Brasil, eu sinto que não mudou nada. Na verdade, tem cada vez mais pessoas de um público diferente. Antigamente iam mais skatistas. Amadores, molecada que está começando. E hoje em dia tem mais leigos no público em geral. A maioria, ou não anda de skate, ou é simpatizante, ou gosta, ou está conhecendo. Eu vejo essa diferença, porque quando eram as marcas de skate que faziam os eventos, puxava mais a galera ‘core’, que curte mesmo. Eles sabiam, uns se comunicavam com o outro, então era mais a galera do skate. Hoje eu vejo mais esse público leigo nos eventos. Mas o público está sempre presente, dando aquela força, e bombando.