No final de 2021, uma pessoa começou a me chamar a atenção pelo Vale do Anhangabaú.
Me lembro da primeira vez que o vi, um senhor idoso carregando um skate debaixo dos braços.
Ele caminhava pra cima e para baixo com o skate, e instantaneamente, imaginei que estivesse passeando com o neto.
Mas estava sempre sozinho.
Continuei vendo-o por vários dias carregando o skate solitariamente.
Pelo centrão de São Paulo é meio normal ver todo tipo de pessoas com skate, então nem dei atenção.
Até que um dia o vi em cima do skate num canto do Vale.
Achei muito legal, ele estava aprendendo a se equilibrar.
Certo dia, tentei me aproximar para um contato, mas o foco no skate era tão grande, que achei melhor deixar ele lá se divertindo compenetrado.
Ao longo de semanas, ele estava lá no Vale praticamente todos os dias, e começou a participar das aulas com o Maikon Quaresma.
Era curioso ver aquele senhor aprendendo a andar de skate junto com a criançada.
Demorou, mas até que enfim rolou o aguardado diálogo com o novato skatista.
Eu estava com o Murilo Romão, quando ele soltou: “Eu era viciado em cocaína e o skate salvou a minha vida! Faz dois meses que parei de cheirar e descobri o skate.“
Foi impactante escutar isso e fiquei com muita vontade de conhecer a história do Daniel Correa Portillo, que naquele dia tinha 66 anos.
Ele é do Mato Grosso do Sul e trabalhou durante anos em São Paulo como tapeceiro.
Numa visita à Campo Grande para visitar a família alguns anos atrás, Sr. Daniel viu o skate pela primeira vez com um neto (já adulto). Mas ele nem ligou.
Nesse rápido primeiro diálogo ele me falou poucas coisas, mas combinamos que eu iria levar a câmera para fazer alguns registros dele andando e gravar uma entrevista.
E passei a levar a câmera pro Vale sempre, para caçar o Sr. Daniel.
Só que, a partir desse dia, ele deu uma sumida e demorou pra gente se trombar.
Estou vendo aqui agora que os arquivos do dia que, até que enfim registrei o Sr. Daniel, são do dia 20 de fevereiro de 2022.
Nesse final de tarde fiz uns dos registros que mais me emocionou, inspirou e cansou.
Não foi cansativo igual passar uma tarde debaixo do sol numa sessão para alguém ficar tentando acertar uma manobra.
Para ficar correndo atrás do Sr. Daniel pelo Vale do Anhangabaú precisa ter disposição de atleta!
E lá estava eu, remando com a câmera na mão, tentando tremer o menos possível para enquadrar sem perder o foco aquele skatista de 66 anos que descobriu a liberdade que o skate lhe proporcionava poucas semanas antes.
É impressionante como o Sr. Daniel dominou o equilíbrio em tão pouco tempo, e começou a desenvolver seu próprio estilo, se expressar corporalmente e interagir com mobiliários urbanos mesmo sem ter referências de outros skatistas diretamente.
Mesmo ele estando andando pelo Vale do Anhangabaú, seu contato máximo com skatista era o professor Maikon Quaresma, que está lá só pra dar os toques básicos de equilíbrio.
O Sr. Daniel foi o primeiro skatista que vi usando o bicicletário em arco do Vale para andar de skate, de forma puramente lúdica.
O skate é um túnel do tempo para o Sr. Daniel Correa Portillo. (Sidney Arakaki)
Fiquei lá vendo o Sr. Daniel se divertindo até escurecer e ele me disse que no final de semana iria levar um amigo viciado em drogas de volta para o Mato Grosso do Sul, para se tratar perto da família.
Combinamos que antes dele ir viajar, sentaríamos para conversar com calma e ele me contar sua história de vida.
Mas no dia da viagem, quando colou no Vale, Sr. Daniel tinha feito um implante de dentes e ele não conseguia falar direito, sua boca mal abria.
Ele estava aproveitando suas últimas horas em São Paulo para andar de skate.
Sr. Daniel me disse que logo estaria de volta para me contar sua história, mas nunca mais apareceu, ele não tem telefone.
Esbocei algumas vezes escrever sobre o Sr. Daniel, mas desistia na esperança de poder reencontrá-lo logo.
Alguns meses atrás juntei todos os arquivos de vídeos do Sr. Daniel e mandei pro Murilo Romão, que com sua sagacidade soube usar sabiamente as imagens.
O Sr. Daniel estrela o segundo ato do “Per”, curta-metragem do Flanantes, que colo aqui embaixo para tentar contextualizar essa história.
Uma história que espero poder escutá-la algum dia.
Mas, por essas imagens dele no “Per” nos fazem refletir sobre a vasta função do skate e como ele é um túnel do tempo ilimitado.
Mande sugestões, dúvidas, etc, para contato@skataholic.com.br
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