Apesar da constante repressão que nós, skatistas, sofremos quando andamos em picos nas ruas de São Paulo, um programa de gestão urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (da época do Fernando Haddad) publicou uma “Cartilha de Espaços Skatáveis na cidade de São Paulo”.
Cartilha-espacos-skataveisUma pesquisa documentada que precisamos compartilhar.
É uma fonte de argumentos pra debatermos quando formos proibidos de andar de skate em lugares públicos como Páteo do Colégio, Theatro Municipal, Museu do Ipiranga, etc.
E agora está disponibilizada para ser usada como referência por arquitetos, urbanistas, paisagistas, skativistas e todos que se interessem pela causa da liberdade de uso de espaços públicos.
Esse documento foi elaborado em 2014 por uma equipe da SMDU e teve o skatista Rafael Murolo (assessor arquiteto e urbanista da SP Urbanismo) como um dos organizadores.
Murolo foi responsável pela pesquisa e ajudou a desenvolver a cartilha quando estava na equipe de arquitetos que desenvolvia o projeto do Território CEU, da prefeitura de São Paulo.
“Na concepção do projeto havia a intenção de se fazer uma praça de entrada desses prédios, que servisse como ponto de encontro da comunidade. Surgiu a ideia de que o desenho dessa praça acolhesse também o skate como uma das diversas possibilidades de uso do espaço livre público. Então a gente foi pesquisar e fez esse material“, explica.
O skativista diz que esse projeto teve participação e colaboração de arquitetos, designers e skatistas. “Em pesquisas de campo, observamos o movimento e conversamos com skatistas que estavam em alguns picos. Não era o intuito fazer uma documentação dessas entrevistas, até porque de início não sabíamos que isso poderia virar uma cartilha. Não havia muita pretensão. A ideia era passar a mensagem de que o skate era bem vindo e indicar maneiras de se abraçar isso em um projeto. Olhando hoje, vejo que foi uma pena não ter gravado as conversas, porque surgiram muitas ideias interessantes. Por exemplo, um dos skatistas disse que se as coisas fossem construídas para durar cem anos, o skate não seria um problema, porque aguentariam o tranco. Essa é uma visão muito rica.“
Perguntei pro Murolo sobre a finalidade da cartilha, e ele disse que, “é passar a ideia de que o skate está presente na cidade, que é um uso legítimo do espaço, assim como o passear, o brincar, o jogar, o descansar – hoje em dia, de todos os usos possíveis, infelizmente parece que só o “comprar” é valorizado. A proposta é que o andar de skate, estar na cidade de skate, seja melhor compreendida por quem desenha os espaços livres públicos e que esse conhecimento possa gerar lugares mais interessantes na cidade.
Há uma visão no campo da arquitetura, urbanismo e paisagismo – um preconceito, a meu ver – de que o skatista é um inimigo da “boa praça”, sob o argumento de que ele toma para si o espaço e impede os outros usos. O motivo desse trabalho é se contrapor a essa ideia, mostrar que a coisa não é bem assim, que pode haver uma convivência harmoniosa entre diversos usos simultâneos. O projeto, o desenho do lugar, pode colaborar muito com isso. Foi neste sentido que a pesquisa foi desenvolvida.“
Rafael Murolo é skatista desde criança e por causa do skate escolheu cursar arquitetura e urbanismo.
“Na adolescência passei a andar de skate na rua, de forma mais livre. Em cima do carrinho, passei a conhecer melhor a minha cidade, com a qual até então meu contato se dava muito mais através da janela do carro, do ônibus, pela TV, do que propriamente nela. Passei a vivenciar a cidade e seus espaços livres de outra forma e, assim, a enxergar uma beleza que não entendia, prazeres e amizades que nunca faria a não ser no rolê.
Isso me motivou a prestar o curso de arquitetura e urbanismo, essa visão diferente da cidade e da seus edifícios – além do fato de adorar desenhar. Sou arquiteto e urbanista, formado pela Universidade de São Paulo e hoje sou mestrando pela mesma instituição.
Quando menor, fiz com amigos do bairro alguns caixotes de madeira, com cantoneira. Os pais de alguns amigos ajudaram. Ficou bom de andar, mas muito pesado! Era engraçado quando descíamos a rua o carregando em seis a oito moleques e ouvíamos brincadeiras dizendo que estávamos levando um caixão – como era pesado, acho que fazíamos caretas de quem faz força. Isso me marcou. O caixote era muito pesado, o projeto que fizemos podia melhorar. Desde esse dia em diante comecei a pensar em estruturas, desenhos, objetos, a desenvolver um olhar arquitetônico. Parece bobo, mas esse caixote foi muito marcante para mim.
O skate te faz olhar diferente para a cidade. O Giancarlo Machado fala do olhar skatista e eu acho que é bem isso. Então diria que em todos os projetos que já fiz esse olhar esteve presente.
Participei como aluno de uma das vivências em construção de pistas do George Rotatori, que passa sua experiência com muita generosidade e carinho. Como resultado do encontro, construímos um trecho da pista do CDC Arena Radical, próximo à marginal Pinheiros. Foi muito especial esse encontro e a energia com que ele e sua turma compartilham o seu conhecimento.“