Como skatista e cidadão, estou indignado com a capa da revista Isto É dessa semana, que publicou uma foto do skate em contexto pejorativo, que não reflete em nada a mensagem que queriam passar. Me sinto tremendamente ofendido, como milhares de manifestações pelas redes sociais durante todo final de semana. Infelizmente, a revista alimentou um ódio desenfreado com muitas críticas irracionais, ofuscando o oportuno tema da reportagem.
Colo aqui a carta aberta do Flavio Donadio à Editora Três, responsável pela revista. A manifestação mais racional sobre o episódio.
“Prezados Senhores,
Eu, Flavio Daniel Donadio, 35 anos, empresário há mais de 10 anos e skatista há mais de 25 anos, venho manifestar meu repúdio à imagem estampada na capa da edição mais recente de IstoÉ (nº 2267, publicada em 26 de abril deste ano), um dos maiores veículos de mídia do país.
Meu repúdio não se baseia na delicadeza do assunto, nem na tendência da matéria – se contra ou a favor. Eu já tenho opinião formada a respeito do assunto.
O que realmente me incomoda é a associação do skate – como objeto ou acessório – para denotar o personagem de um jovem menor de 18 anos como infrator ou criminoso. Já não basta a arma? É bem óbvio, pelo rosto do rapaz, que ele é um menor de idade, possivelmente até com menos de 16 anos de idade!
Aplaudo a iniciativa da Editora Três e de seu editor-chefe, Domingo Alzugaray, e sua editora, Cátia Alzugaray, em não se utilizar de “clichês” – como imagens de negros, pardos ou moradores de rua – para ilustrar a matéria. Afinal de contas, esses clichês raciais e sociais já estão desgastados e remetem a atitudes como preconceito e racismo, algo que qualquer empresa de respeito não quer ter em seu histórico, não é?
Sim, o parágrafo anterior é um sarcasmo em relação ao público-alvo de IstoÉ: a classe-média-alta brasileira, cheia de medos, preconceitos e atitudes grotescas – como a associação de certa cor, vestimenta, orientação sexual ou qualquer coisa que se desvie do ideal capitalista-católico-tradicional – a comportamentos vistos como anti-éticos, ofensivos ou ameaças à sociedade.
Me preocupa muito a ideia do uso do skate como um ícone para denotar um “jovem criminoso”, por várias razões, as quais enumero:
Primeiro, por eu ser um skatista e ter participado ativamente na profissionalização do esporte no Brasil durante os últimos 20 anos: no passado, através de meu trabalho como fotógrafo especializado por mais de 10 anos e, atualmente, através da formação de opinião como colunista da revista 100% Skate. A imagem me ofende pessoalmente e também a inúmeros colegas de trabalho e praticantes do esporte.
Segundo, pela minha experiência pessoal, bastante vasta dentro do universo do skate, posso afirmar que ele, como esporte, é um instrumento que desvia os jovens do caminho das drogas e da criminalidade. Eu poderia citar inúmeros exemplos de skatistas que afirmam e comprovam isso, alguns desses registrados em entrevistas em revistas especializadas, mas deixo essa pesquisa sob responsabilidade da equipe editorial de IstoÉ, que deveria ter levado isso em consideração antes de publicar a capa.
Terceiro, pela popularidade do esporte, principalmente entre os jovens de famílias que fazem parte do público-alvo de IstoÉ: segundo pesquisa do Datafolha realizada em 2009, encomendada pela Confederação Brasileira de Skate (http://www.cbsk.com.br/docs/Pesquisa%20Datafolha%202009%20(1).pdf), a penetração do skate nos lares das classes A e B é de 9% dos lares brasileiros! É a parcela da população onde o skate é mais praticado! É uma afronta aos seus próprios leitores a associação do esporte favorito de muitos de seus filhos a atitudes criminosas! Chega a ser ridícula a falta de informação da pessoa responsável pela aprovação dessa imagem de capa…
Quarto, pelo crescimento assustador do skate no último ano, especialmente quando acabamos de ser sede dos X-Games, mega-evento milionário organizado pela ESPN International, gerando emprego e trazendo dinheiro para o país! Quando o esporte é, comprovadamente, o segundo mais praticado no Brasil – perdendo apenas para o futebol – e no mundo! Quando temos um renomado clube esportivo, o Sport Club Corinthians Paulista, contratando o skatista profissional Ronaldo Gomes! Quando temos um skatista como Pedro Barros sendo agenciado pela 9ine, a agência de marketing esportivo pertencente ao ex-jogador de futebol Ronaldo de Lima, conhecido como “Ronaldinho” ou “Ronaldo Fenômeno”. É ridícula a ignorância e falta de pesquisa sobre o atual estado do skate como esporte no Brasil e no mundo!
Por essas e outras razões, fica aqui minha nota de repúdio, que envio com cópia para entidades do skate, meios de comunicação especializados ou não e publico abertamente nas redes sociais.
Espero que a Editora Três e seus gestores e editores se pronunciem publicamente a respeito do terrível engano cometido e ao estrago causado à imagem do esporte que tenho prazer e orgulho em praticar e ajudar a construir no Brasil.