Há 19 anos o skatista Gustavo Ribeiro largou o sonho de se profissionalizar para se tornar um dos MCs mais considerados do Brasil com o Planet Hemp. Nascido em São Gonçalo, residente quase a vida toda em Niterói, cidade com uma arquitetura que instiga a andar nas obras de Oscar Niemeyer, como todo adolescente que começa a acertar manobras, Black Alien, que na época era conhecido como Gustavo Negão, alimentava a vontade de viver do skate. E ele realmente tinha potencial. Suas manobras acertadas há duas décadas continuam a ser lembradas nas sessões da atualidade, como os flips backside tailslides, que foi um dos primeiros a acertar no Rio de Janeiro.
Boa parte da trajetória de Black Alien como rapper é mostrada no documentário “Mr. Niterói – A Lírica Bereta”, disponibilizado nos últimos dias de 2012 no Youtube (Assista acima) pelo diretor Ton Gadioli. São 90 minutos que descrevem bem a genialidade desse cara. Muitas coisas fazem sentido após assistir esse filme.
No final de 2010, quando eu estava numa turnê com o time da Nike SB em Niterói, Black Alien surgiu na sessão muito feliz por ver alguns dos seus ídolos no pico que costuma andar. Seus olhos brilhavam e ele filmava as manobras do Fabio Cristiano, Cezar Gordo, Rodrigo Gerdal, Rafael Finha e Fernando Java com seu celular. Aí eu fiz essa entrevista, que na época publiquei no blog que tinha na ESPN.
Antes de eu ligar o gravador ele já estava falando empolgado sobre um dos assuntos que ele mais curte, que é o skate…
Estou orgulhoso e feliz de alguns dos meus ídolos estarem andando aqui. No meu quintal, basicamente. São praticamente super-heróis para mim, porque, quando eu era jovem, a partir dos 13 anos, eu tinha pretenção de ser profissional de skate. Andar de skate para viver mesmo. Mas era uma época “meio osso”. Um pouquinho pior. Um pouquinho, entre aspas, do que é agora. A gente nem era reconhecido como profissional no Brasil. As coisas mudaram, a gente soube que iam mudar. Mas em algum ponto da minha história o sonho foi para um outro lado, porque, aconteceu de eu escrever algumas letras e calhar das pessoas gostarem. Aí foi indo, foi indo, e acabou que eu virei profissional fazendo música. Mas basicamente, a música também é um sonho, que eu não tinha pretenções, mas qualquer jovem ia gostar de subir num palco, ganhar um dinheiro, viajar, fazer sucesso, etc, etc, etc. Eu acabei, realmente, largando um sonho básico mas essencial, e vivendo outro que caiu basicamente na minha mão. E depois de um tempo, no rock n`roll, passando mais de uma década, o rock n`roll não está fazendo muito bem para o meu fígado. Então eu pretendo voltar a andar de skate durante um tempo, ganhando dinheiro ou não, mas eu prefiro ficar mais saudável, voltar pra minha essência e usar a cidade como a gente gosta, né? Aproveitar, tirar a diversão de qualquer lugar, de qualquer arquitetura, qualquer cimento. Usar a cidade como um playground, se divertir. E viver também. Pagar o aluguel. Acho isso uma onda. Pride
Em que ano você viveu o skate intensamente?
1989, 90. Tinha 17 anos, foi a época em que eu andei melhor. Aí logo nessa época eu tive que arrumar meu primeiro emprego. Meu pai não me deu mole. A partir dali eu trabalhava no estaleiro. Isso também ajudou a abrir os sonhos. Eu acordava 4h30 da manhã, chegava em casa às 18h30 exausto. Não via nem a novela das sete. E não dava mais tempo. E tinha balada sábado. E fui meio que largando o sonho, por algumas coisas fantasiosas. Mas tá tranquilo, foi bem divertido.
Quem era a galera que andava com você naquela época?
Aqui em Niterói eu andava com meus amigos. A gente tinha uma rampa particular, que chegou a ser uma associação de skate de Niterói, que foi por água abaixo, a Ascam, uma pista de madeira particular. Só iam os amigos, churrascada, grama, aquele sonho nosso. A cidade tinha menos carros, menos cretinos na rua, e etc, etc. O próprio Fabio Cristiano eu acho que conheço de Cabo Frio, que a gente tem um amigo em comum. Conheci nessa época o Digo (Menezes), Alê Vianna, Cesinha Lost, Bob (Burnquist), (Marcio) Tarobinha. Convivi com todos esses caras. Fui muito privilegiado, eu tive essa sorte aí muitos anos atrás. E eu gosto de ver eles vivendo o que eu larguei de lado. Quer dizer, agora eu quero de volta, se der tempo.
Mas essa galera você conheceu antes de se tornar músico?
É. O primeiro show que eu fiz na minha vida foi em 23 de outubro de 1993. Profissionalmente eu trabalho com música há 13 anos, com carteira assinada.
Tem a lenda que diz que você foi o primeiro cara do Rio que mandava flip backside tailslide.
Eu acertava mesmo. Uns flips de back, uns reverses. Mas não muito alto, né? Eu era bem mais magrinho, na febre do rato pra andar de skate. Basicamente a gente tinha um amigo que o pai viajava bastante. Então a gente conseguia pegar os vídeos, filmes, antes da maioria dos moleques. Então a gente chegava na session já com mais manobras que nunca ninguém viu, já no pé. Então eu dei sorte também em relação a ter informação. Privilegiado, vamos dizer assim. E a vontade mesmo que eu tinha. Imagina, o meu pai não achava graça nenhuma nisso. Até hoje eu brinco com ele. Eu falo, “olha o salário”. Zuando, né? Brincadeira com meu coroa, dá pra entender o ponto de vista dele, porque eu era muito vagabundo. Passava de ano, mas era muito vagabundo. Mas agora acho que tá tudo certo, acho que tenho uma certa vivência, sei o que quero. Tô afim de dar um rolé de skate, porque rap é uma coisa muito neurótica, brother. As vezes pertuba o plantão. Se der pra fazer as duas coisas, ótimo. Balada e skate só monge ninja, como Kamau e Parteum pra poder conciliar.
Como está sendo sua convivência com o skate ultimamente?
Filme de skate eu sempre parei pra ver em qualquer lugar. Se tiver no botequim passando, eu paro pra ver. Pergunto. Compro sempre as revistas. Mas ficar de fora, com uma certa vergonha de ter amarelado na guerra e ver que todo mundo que tinha o mesmo sonho continuou e chegou lá, ou não. E foi feliz até agora. Sempre andou, sempre tá na minha mente. Aquele lance de você estar na janela do carro, drifting, você tá naquela velocidade fazendo as manobras. Basicamente, meu amigo João (Piriquito-Sem-Asa) que me conheceu, chegou lá em casa e viu que tinha teia de aranha no meu skate. Ele falou, “isso é uma vergonha”. Eu falei, “é mesmo”. Aí tirei a teia de aranha, e no dia seguinte fui dar um rolé, e estamos aí. Indo devagarinho, devagarinho, você viu ali a dificuldade.
O importante é se divertir.
Me diverti muito. Tô orgulhosão. Eu mesmo, tô amarradão, ninguém precisa saber porque.